sábado, 20 de fevereiro de 2016

A Preta

Saudamentos, meu leitor caro e difícil de vender. Preteou o olho da gateada. Abriram-se as cortinas do espetáculo.

Você conhece a Preta? Não é uma mulata assanhada, que passa com graça fazendo pirraça,  tampouco uma xícara de café. É uma empresa, cuja qual o objetivo aqui, hoje, é ter sua operação destrinchada. Pela primeira vez, a Rodoviária Digital® se apresentará com maior riqueza de detalhes. Peço, de antemão, que tenha paciência. Se não gosta de texto e veio aqui só pelas fotos, corre pro OB. Se veio pelo áudio, resolva sua ansiedade incontida clicando aqui.

Se quer ficar com o texto, bem... Vamos lá.

i6: alto de alto padrão para a linha mais cargueira e mulambenta das novas operações.
 
O ano de 2015 entrou para a história dos transportes rodoviários. Muitas empresas simplesmente deixaram de existir, dando ainda mais espaço aos já grandes grupos. Aqui no sulzão véio de guerra, como dito em outra postagem, Pluma e Reunidas foram as que mais perderam território e, no caso da primeira, a transferência de linhas internacionais e de algumas outras desativadas foi o pé na porta que a Preta precisava para fincar os pés em São Paulo e, agora, no Rio de Janeiro.

No RIO x FOZ, já vastamente explorado aqui no blog, ficaram para ela os serviços via Piracicaba, no interior paulista, e via Londrina — semidireto (aquele que chega às 3 da manhã em Cascavel e não para em mais lugar nenhum depois de Aparecida) ou com escalas (que por mim foi experimentado).

As saídas de Foz do Iguaçú para Santos e São Paulo vieram de horários desativados. As de Ponta Grossa para os mesmos destinos já faziam parte da Preta há mais de cinco anos; porém, os "problemas" com autorizações para operá-las só foram resolvidos com o pé na porta. O Florianópolis (BR) x Asunción (PY) veio de concessão perdida.

Para a entrada triunfal, seis carrocerias DD para as linhas de carga viva, seis falsos LD para as de carga valiosa, uma passeata entre as rodoviárias que receberiam os novos serviços, um programa de fidelidade e... Em plena temporada, uma promoção em todas as seções do RIO x FOZ. É por meio desta última que me interessei pelo Nordeste.


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O RIO x FOZ é, historicamente, uma linha pra nego véio. Mesmo pela Kaiowa, cujos Jum Buss faziam crer ser um serviço normal, o ônibus seco e sem tecnologias à mão do pasageiro era regra. A Preta é pioneira em ser exceção e oferecê-las. Internet, carregadores em todas as poltronas e filme a bordo são os trunfos para conquistar de vez quem já foi atraído com qualquer outro item citado anteriormente.

Poltronas largas (mesmo) e que extrapolam as medidas do Irizar.
 
SUJEITO COMUM
 
O melhor ônibus em que já viajei na vida. As poltronas são largas, deitam muito, o ar condicionado não congela e nem assa, posso ficar ligado em WhatsApp e Facebook a viagem inteira, tem filminho... Sem contar que o ônibus para bastante então, se eu não estiver dormindo, posso sair e esticar as pernas, fumar, respirar ar fresco... É bom demais. Melhor que isso, só casa de mãe.


Para o passageiro comum, estão à disposição 42 lugares com reclinação melhor que a razoável, encosto de perna, luz de leitura que funciona de verdade — meu livro do Mussolini teve alguns capítulos devorados facilmente na viagem — e um insulfilme que dispensa apresentações. Dormir no carro é tão fácil que, em pleno 6 da tarde, metade dos passageiros teve que acordar para aproveitar uma das paradas.

SUJEITO EU

Não é, nem de longe, o melhor ônibus em que já viajei na vida. As poltronas são largas demais, roubando espaço importante do corredor (ver ilustrações abaixo). O serviço de internet não atende plenamente a todo o coletivo e a prova é que eu, no alto de meu assento 38, pouco consegui usar o Facebook — possível com qualquer 3G de metrópole. Tem filminho, que atrapalha quem quer dormir, ler ou até mesmo assistir: três tentativas de rodar (Recomeço, Hobbit e Compramos um Zoológico) e todas em vão, num aparelho que trava tudo ou em discos de má vontade do arquivo da Preta.
Sem contar que o ônibus para bastante. Mesmo. Sou passageiro da Pluma, que não faz mais que duas paradas no mesmo trecho (Aparecida/SP -> Cascavel/PR). Experimentar o preto ficou angustiante, entre outras coisas, pelas QUATRO paradas em pontos de apoio, sendo elas escolhidas pelos motoristas:

GRAAL, Araçariguama/SP: 20 minutos para café e etc;
GRAAL, Ourinhos/SP: 20 minutos;
Restaurante Tio Patinhas, Campo Mourão/PR: 15 minutos para café;
Restaurante Peroza, Corbélia/PR: 20 minutos para café e etc.

Também pelo elevado número de PA's, um atraso na chegada a Cascavel de 1h30.

Para o passageiro comum, ainda estão à disposição um corredor incrivelmente apertado, encostos de perna que o prensam se o sujeito à frente resolver se reclinar, maleiros de salão minúsculos, um insulfilme que realmente dispensa apresentações (por escurecer demais a visão externa) e outras soluções que serão tratadas mais adiante.

Filme nas telas e corredor absurdamente apertado: não parece um ônibus do RIO x FOZ.

Alguns dos problemas listados até aqui são culpa do padrão Nordeste, que só tomei conhecimento de sê-lo depois de ter viajado por ela. Ele visivelmente privilegia o passageiro que fica igual múmia no ônibus, o que claramente não é meu caso.

Outros desses problemas são característicos do i6, lançado no Brasil em 2012. Muita gente os desconhece, mesmo porque o modelo é raro em linhas regulares. São jeitos diferentes para se fazer as mesmas coisas, que tornam a vida a bordo mais complicada. Vamos a eles:

Braços de poltrona: os que dão para fora (os da direita nas poltronas corredor) são deslocados pra baixo e não pra cima, como em qualquer outro ônibus rodoviário. Com isso, ao deslocar o braço para uma saída lateral, forma-se um "mini encosto" que atrapalha essa saída.

Mãos na cobra: esqueça o nojo com seus resíduos. A lixeira do salão não tem como ser aberta senão com a mão — não há pedal, como de costume — e esse não é o pior caso.

No banheiro, ela é fixa por um sistema de chaveamento, e um buraco minúsculo é tudo o que se tem para descartar os devidos materiais.

Mãos magras e força nos dedos: para chegar à lixeira do banheiro, outro desafio é abrir a porta que leva até lá, já que se trata de uma "roleta de máquina de lavar" que, pelo menos no caso do nosso preto (um carro com cinco meses de uso), já estava ligeiramente rígida. 

Quem não tem o macete não consegue abrir de primeira.

Uma vez lá dentro do banheiro e feitos os trabalhos, não bastando o difícil descarte do lixo (ver mais acima), textos indicam que tudo funciona por sensores. Dedo no led da descarga e zás. Mãos posicionadas sob as torneiras e... Tem que segurar os botões embaixo da pia, se quiser tirar algo delas. Em qualquer outro rodoviário, sem frescuras: é só socar.
 
Por último e não menos importante, este é culpa da Irizar, por ter aceito fazê-lo assim: a vida no i6 é difícil para quem viaja nas últimas filas e, com bagagem de mão e/ou sendo avantajado, fica pior ainda: o padrão Nordeste obriga o sujeito a andar de lado, único jeito de ir sem esbarrar nas poltronas e encostos — e, eventualmente, acertar a fuça de alguém.

A vida no nosso camburão é fácil. Pero no.

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Como caloura no serviço, a Preta se sai incrivelmente bem. Como prestadora: suas RIO x FOZ ainda sofrem com uma lotação medíocre (25 bonecos, em uma quinta-feira, não é para se orgulhar), mesmo com tudo de bom que já foi dito até aqui. Como já disseram em outras bilheterias, o cliente tradicional existe e, no caso dessa linha, é birrento e gostaria que nada mudasse, nunca. Pluma ad eternum. Troca a frota, a pintura, troca a mãe, mas não troca de viação. Pelo amor do seu deus. 

Igual nas outras, motoristas educados e prestativos. Igual em meia dúzia de gato pingado, eles dão orientações antes da viagem — as únicas onde vi isso, mesmo com alguns anos de estrada, são a 1001 e a Reunidas. Diferente das outras, parece não ter se acostumado a ser grande: a garagem em São Paulo é um habitáculo e não oferece qualquer acomodação para os passageiros (exceto banheiro). Sem qualquer comércio nas proximidades, não há muito o que fazer enquanto esperar a troca de motoristas e o abastecimento. Na própria casa, em Campo Mourão, ninguém pisa, a não ser os motoristas da outra troca; o suporte fica em um restaurante na mesma cidade (ver paradas, acima).

Carroceria, de construção primorosa, chegou ao Brasil em 2012.

Um ônibus de primeiro mundo. Como conjunto, o i6 é uma carroceria bem construída, sólida, e dá suporte à ideia de produzir uma espécie de monobloco que existe na matriz da Europa. Maleiros de salão firmes, maciços (no G7, eles são ocos) e com materiais como alumínio (!). A distribuição do ar condicionado é excepcionalmente boa, mantendo uma mesma temperatura da porta do banheiro à da cabine. O isolamento acústico é exemplar (só que não, para passageiros comuns). Devia ter colocado isso no infográfico: até as cortinas são diferentes no i6: presas somente pelas cordas de cima.  

Sem outras maiores observações a respeito.

A Volvo faz mais uma passagem por aqui, logo depois de o post anterior abordar um B420 R. No mesmo lote do 5240, há outros encarroçados nesse chassi; no entanto, o 5240 é um B380. O que não é tão mal: o mesmo câmbio inteligente do Papeldiso da Princesa também está neste carro, muito embora rodar em 5ª marcha, na cidade, a 40 ou 50 quilômetros por hora, seja estranho. Há respostas rápidas e, se for da vontade do piloto, situações onde tudo fica rápido. Claro, não com uma direção esportiva, já que a eletrônica não faz troca de marcha com trancos. Mas fica rápido.


Se recomendo? Quem sou eu para falar de ônibus bom ou ruim?! O serviço que é de tal modo para mim pode não sê-lo para você; logo, digo apenas que vale a experiência. Principalmente para quem tem medo da Pluma e, mais ainda, de esbarrar em um abacate da Catarinense.

E até a próxima.

sábado, 30 de janeiro de 2016

Vouvada çege

Vinte e cinco de dezembro, quando o galo deu sinal e nasceu o menino deus... 

Qual deles?

Saudamentos, caro leitor. Tão caro que estou cogitando a possibilidade de vendê-lo no mercado negro, já que no oficial isso é crime. E, depois de vendido, não ter mais para quem escrever (e, com isso, férias ad eternum). Se um amigo custa 240 mil reais em valores de 2011, hoje uma pessoa qualquer deve valer isso. Crise. É hora de buscar a oportunidade de fingir que nada está acontecendo — e acreditar piamente nisso. Algumas viações nadaram de braçada em 2015, diante da derrocada de empresas que conheci apenas há poucos anos, mas que acabei considerando tanto: Pluma e Reunidas, que já estiveram algumas vezes aqui.

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Aliás, falando em Reunidas, sua saída das linhas DER/PR deu aporte ao crescimento de uma empresa de nem tanto respeito assim, idolatrada pelos buseiros de Rodoferroviária e de Barra Funda: o Expresso Princesa dos Campos. A postagem de hoje é sobre um ônibus dessa coisa que, no ano de 2014, comemorou 80 anos. Prepare-se, e depois fique quieto na embalagem para que eu possa te vender com tranquilidade, leitor caro para *aralho.

Bilhete de passagem, agora em papel térmico e com adereço de brinde.

Enfrentei problemas para viajar por ela em 2013 e 2014, o que me levou a um hiato de quase dois anos procurando rotas alternativas à passagem por Guarapuava, que tornava obrigatória a experiência de tomar um carro da Princesa. Na verdade, até o começo de dezembro, a intenção era a de continuar assim mas, sem muitas alternativas para o dia 25, me vi obrigado a dormir com essa.

Comprei a passagem pelo site na esperança de ver uma melhora nos serviços e, na hora de trocar o voucher, me deparei com isso aí em cima: passagem o escambau, agora é uma espécie de nota fiscal, papel térmico e praticamente impossível de arquivar (pelas dimensões e principalmente pelo desgaste da tinta). A Princesa já utilizava esse tipo de bilhete nos embarques de estrada há muitos anos, e agora o adotou até nas passagens de guichê. Esse informe pregado atrás, que não é dado pra qualquer um, traz um desafio:


Ninguém viaja no dia 25 de dezembro. Em 2012, entre Pato Branco e Guarapuava, 10 passageiros ao longo de toda a viagem. Em 2015, a linha foi cortada nos domingos e feriados e quem precisa fazer esse deslocamento é obrigado a aguentar os... Argh.

Só espero, do fundo da minha alma, que você não tenha tanta pressa de terminar a viagem. Qualquer — absolutamente qualquer — paradinha, por mais torpe que seja o motivo e não na beira da estrada, leva cerca de 20 minutos. Sem aviso e quase que sem poder descer do carro para banheiro, água, etc.

Poltrona do modelo novo: mesmo conforto do modelo antigo.

Os Papeldiso 1600 são fixos da linha entre Francisco Beltrão e Curitiba desde abril de 2014, quando a Princesa parou de mandar ônibus iguais a este em uma viagem que, na íntegra e considerando as letargias, dura cerca de 9 horas. Eles são perfeitamente aceitáveis (40 lugares com encosto de perna), porém, antes deles, a linha já foi abastecida com padrão superior — e que enche os olhos do passageiro desinformado.

Aproveitando para fazer uma errata sobre o post do Reunidas: o percurso via Palmas e União da Vitória também é feito pela Princesa e, desde 1 de dezembro, tão somente por ela (aquela história do DER/PR citada antes), no qual escala veículos mais antigos e os Road para tomar altas porradas da PR de 280 milhões de buracos.

Como as rodovias PR-158 e BR-277 têm viário muito bom, vale arriscar um — literalmente — alto padrão, muito embora a grande mãe Cattani já o faça desde 1998.

Salão lotado para um 25 de dezembro.

Finalmente, depois de anos denunciando a G7, um carro que salva. Não peguei chuva para saber se enfim existe forração no teto, mas os maleiros de salão foram um espetáculo à parte. Pouca ou nenhuma vibração, mesmo com o asfalto sofrível de Guarapuava fazendo força para acabar com a alegria. Olhando com calma por dentro, os suportes laterais colocados aos montes explicam o fenômeno. Hoje em dia, já se fabrica G7 com suportes verticais como nos GV. Ainda bem.

Não é a primeira vez que viajo em LD dela. Em julho de 2013, experimentei o então inédito TOP LIXO e, por não ter viajado no fundo do carro, me vi obrigado a ter que ouvir apenas o sacolejo do maleiro. Aliás, não poder sentir que tinha um motor carregando aquele monstro e ver praticamente todos os outros passageiros dormindo só me deixaram com a impressão de que LD Volvo não é feito pra quem gosta de ônibus de verdade, só pra passageiro comum. 

O 6432 não desfez essa impressão, embora tenha chegado muito perto disso.  

Mas espero que seja a última vez em que eu precise viajar de LD. Não falo apenas pelo da Princesa, e sim no geral.

Vista panorâmica? Isso só existe pra quem viaja na primeira fila, aquela que dá de nariz com a carreta na hora do acidente. Pra mim, eu, que só viajo na última poltrona, aquela do lado da geladeira, não serve.

Bagagem? E quando os maleiros de baixo não vão lotados, como fica a estabilidade? Sem peso, a carroceria, alta demais, não se assenta bem no chão e a viagem no 6432 foi a prova disso. Apenas malas de cerca de 20 pessoas, motorista enchendo o pé, trechos de descida, sem aquele tradicional arrego eletrônico que senti no TOP LIXO, tudo isso diluído em milhares de curvas dos mais diversos tipos. Há anos não ficava tão perto de vomitar em ônibus como naquela ocasião.

Imponência? Pra quê? Pra quem serve? Pra quem não está viajando no ônibus? Pra quem vir de fora ficar morrendo de inveja? Sair bonito na foto (de que jeito, com insulfilme)? Se chegar bonito, pra você, é mais importante que chegar bem, que vá você de LD e me deixe no meu mundo de Paradiso 1200 e Jum Buss 380, onde sou muito feliz. Faleu, valous.

Estreou em abril de 2014 no Beltrão x Curitiba, linha antes dominada por tocos.

Algumas coisas, pra mim, ainda ficam sem explicação. Câmbio automático é uma delas. Você tem duas mãos, amplamente funcionais, que já conseguem controlar o volante, alavancas de seta, de luz, painel de botões, (dependendo da empresa e/ou do serviço) rádio e tv, roteador... Até garrafa de água. Por que elas não poderiam passar marchas?!

A respeito disso, ao observador e ouvinte que está lá na poltrona 42, isso passa batido. O motor verde faz subidas e reduções de marcha, simula ponto-morto (quando não é de verdade; por exemplo, nas "banguelas"), arranca, dá retomada, etc. E ainda não sobe marcha quando a intenção original do motorista seria reduzir, o que ocorre com o carro seguindo ladeira acima — erro comum no B9R. Tudo isso como se tivesse uma palanca de câmbio na cabine do motorista. No B9 e nos I-Shift mais antigos, existe uma que se assemelha à de carros de passeio (P, R, N, D). No I-Shift de hoje, se é que tem alguma coisa, é no meio das alavancas do volante, como no sistema de transmissão da Scania.

E esse é o comportamento que você pode ouvir no material que deixo aqui no fim da postagem, de um carro com motor forte e transmissão inteligente que constituem um casamento voador. Tradicionalmente, não gosto de Volvo, tendo passado a infância em Aparecida e fumado várias carteiras de B58 e B10 das mais diversas origens. Mas para este, apesar de tanta tecnologia embarcada (me sinto mais à vontade com processos analógicos), eu posso tirar o chapéu. Nem que seja só para coçar a cabeça.
 



E até a próxima.