domingo, 25 de janeiro de 2015

Desilusão amorosa

Saudamentos, caro leitor. Certamente, você veio parar aqui achando que fiquei louco, estou apaixonado ou algo do tipo. Eu tô louco?

Hoje, vou tratar de uma empresa que é simplesmente ofuscada por um grande nome, e que aparentemente presta um serviço melhor. Porém, antes disso, preciso desabafar.

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Os acidentes rodoviários da temporada corrente, que começou em meados de dezembro, têm acendido um incrível sentimento de comoção. No de um dia, 9 presuntos; no de outro, mais 3; no da semana anterior, 8, e por aí vai. Nunca vi tanta gente dando pêsames pra desconhecido como nesses últimos tempos e sei que eu não deveria me incomodar, mas me incomodo. O acidente aconteceu? Aconteceu. Dá pra recuperar o ônibus? Dá, então que sigamos tocando a vida.

    Mas piá, morreu gente nessa coisa toda aí. Tu acabou de dar os números.

Morreu gente? Morreu. É meu parente? Se for, vai mudar alguma coisa? Vai entrar pra estatística da Polícia Rodoviária Federal e do sistema público de saúde do mesmo jeito. Vai deixar saudade? Não sei. Da mesma forma que morre gente boa, também morre canalha e filho da puta.

O ser humano tem que parar de achar que vive protegido por forças superiores.

A empresa vai rever seus conceitos operacionais? Não sei. Vai dar assistência? No acidente do Util, em que me envolvi numa polêmica na época, a empresa cagou e andou pros passageiros. VOCÊ pode ler o comentário de um dos passageiros do carro nesta postagem.

E não falo mais no assunto.

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Dando seqüência ao nosso assunto inicial, uma das filhas da grande mãe Cattani é a Brantur. Nasceu em 1985 com sua irmã já falecida Vale do Iguaçu, sobreviveu, cresceu, hoje é referência no fretamento barato (por isso mesmo não concorre com a Cattani, que se especializou no executivo/leito turismo) e tem um portfólio de linhas que atende uma área de operação bastante curiosa. Trato com mais detalhes a seguir, já deixando o mapa para ilustrar.

Interior em bom estado, porém com alguma sujeira e desgaste.

O modus operandi da Brantur não é como o de qualquer outra por aí: 
  1. Apresentação da frota. Ao conhecer a matriz no último mês de maio, em Pato Branco (PR), me senti obrigado a perguntar ao responsável pelo tour    sr. Valdair    se costumavam encerar os veículos de tempos em tempos. A resposta? NÃO, simplesmente são lavados quase todos os dias com as recomendações do fabricante (no caso, a COMIL, marca com a qual a empresa se fideliza totalmente desde 2010);
  2. Pós-viagem. Depois, com o trabalho que os motoristas têm que fazer: juntar cortinas, levantar poltronas. Coisa típica de empresa de turismo com 1 carro, que acontece em uma com quase 50;
  3. Sistema de passagens que mais se parece com a tela do MS-DOS;
  4. Linhas. Algumas simplesmente deixam de operar aos domingos e feriados, bem a cara do interiorzão.
   Quer dizer, piá, que isso aí é uma empresa de nego véio.

Quem já visitou Pato Branco em dias de chuva certamente percebeu que a probabilidade de um Brantur aparecer brilhando é altíssima. Não é meu objetivo desmerecer a grande mãe, mas a aparência física da frota passa uma má impressão. Pintura que, em um carro com 4 anos, o faz parecer ter 10. Mas, ao lembrarmos do viário da rodovia PR-280, que é parte de praticamente todas as rotas da empresa, encontramos uma possível justificativa: o tempo gasto a mais para cuidar da mecânica parece roubado do gasto para a manutenção estética, já que Cattani quebrado é ainda mais raro que Cattani brilhando.

A rota usada para conhecer de perto o comportamento da empresa na rua, que parece tão bom à primeira vista, foi a que vai de Pato Branco a Cascavel, capital do Oeste do estado. Trata-se de um pequeno filão, onde Reunidas e a grande mãe são seus concorrentes. 

Melhor dizendo, elas fazem a linha e a Brantur é uma outra opção, à parte. Ao comprar a passagem, o bilheteiro já adverte que a viagem é demorada    são seis horas, contra quatro do semi-direto das outras    e deixa tempo suficiente para que a pessoa vire em perna dali. Eu, o jovem mais arcaico que conheço, não virei, e aceitei comprar as passagens. São duas(!): uma até Laranjeiras do Sul, outra dali até o fim do trajeto.

Vista do terminal rodoviário de Chopinzinho (PR): tudo fica no andar de cima, menos os ônibus.

 Assim como a Reunidas faz nessa linha aqui, a Brantur é a única que chega no destino tomando um caminho completamente diferente. Talvez por isso, não se incomode ao apresentar um veículo com conservação e assepsia apenas razoáveis. Ao entrar no 43608 e me deparar com a cena da primeira foto, acabei me lembrando da Pássaro Marron.

   Vá xingar a empresa da tua mãe, piá de bosta!

Deve haver alguma justificativa para ele não ser tão bom por dentro.

A existência do cobrador em carros rodoviários é muito comum na região, com as linhas que cruzam tantas cidades e pegam gente em tudo que é lugar    o conhecido "pinga-pinga". Tempo não é necessariamente dinheiro: em SP, preferem que a viagem atrase a pagar o salário de um cobrador; no PR, preferem que seja pago um salário de cobrador ao atraso da viagem. 

Com isso, o mesmo embarque pode levar o dobro do tempo na Alckmin's Land.

As cidades vão passando e entre elas praticamente não existe ônibus urbano intermunicipal, o que faz com que o povo fique dependente dos rodoviários que passam por lá (parte deles pinga-pinga). Entre Saudade do Iguaçú e Laranjeiras do Sul, por exemplo, só aquela viagem foi com cerca de 40 passageiros em pé    fora os 46 da lotação normal. Um calor desgraçado, reclamação de ponta a ponta e o coitado do cobrador tendo que atravessar o ônibus inteiro para conseguir receber os valores e entregar os bilhetes do pessoal. Isso tudo acontecendo e... O ar condicionado desligado. Engolindo a seco, porque não tinha nem água no bar.

"Pó tê nada", tendo em vista que o trecho faz um Campione sentir-se Svelto: é esse o grande problema que faz o 43608 não ser a pica das galáxias. Ele e outros carros fixos nas linhas dessa região.

De Nova Laranjeiras em diante, com a troca de motorista, a saída do cobrador, a desova completa e o refresco do ar condicionado (finalmente ligado), a rota volta ao normal e o Campione volta a sentir-se Campione.

Nosso objeto de estudo: um Campione pré-Vision ano 2006.

A mistura Comil + 18-320 já passou por aqui e é o quarto post mais lido da história do blog. Então, era de se esperar que o demônio encarnasse e fizesse a alegria geral, já que trata-se de um ônibus mais baixo, com um eixo a menos e "sem" ar condicionado. Bem, é quase isso...

Apesar de suja, a carroceria não apresentava grandes problemas. Cinto de segurança funcionando, poltronas reclinando, portas e tampas fechando e abrindo normalmente... Duas ressalvas: o já conhecido ranger das peças do acabamento e a ausência de água na torneira do banheiro, que estava limpo e sem trincas.

Alguém da manutenção da Brantur levou o 43608 para ser regulado em um parque, deixou que um bando de passarinhos vagabundos entrasse e ficasse escondido no motor. A cada necessidade de parar    pense quantas foram elas, lembrando que é um pinga-pinga em uma estrada cheia de curvas, lombadas, paradas e automóveis para ultrapassar    um piado ensurdecedor tomava conta do fundo do salão e não deixava ninguém falar, como quem dissesse isto aqui.

Mesmo sob essas condições (já falei o quanto de vezes ele precisava parar?), nota-se um motor vigoroso e um motorista com vontade de voar. Com passarinho e tudo. Essa é a parte que está no áudio. Porque a parte que não está é depois da troca de motorista, em que ganhar e manter velocidade era tarefa ainda mais fácil: agora com o ar ligado, sob chuva fortíssima, bem menos passageiros, lombadas, paradas e automóveis para ultrapassar.


E chegamos, finalmente, depois de algumas horas, em Cascavel. O bilheteiro me advertiu, mas não teve problema: mesmo levando muito mais tempo, a viagem mostra que a Brantur vai fazer 30 anos bem feitos, sem ter se vendido, se rendido e/ou deixado de atender seu público. Do contrário: sendo o maior dos filhos. Talvez, o que mais dá orgulho à grande mãe.

Até a próxima.

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